domingo, 17 de fevereiro de 2013

A multifária figura de Bento XVI


A multifária figura de Bento XVI

a.j.chiavegato
Difícil por poucas palavras explicar Ratzinger e o Bento XVI. Admiro o teólogo de tantas obras, do papa, não, ou melhor, não o compreendo, apesar de tudo amo-o como amigo. Creio firmemente no Espírito de Deus que conduz a Igreja por caminhos escondidos e tortos. O Espírito de Deus sopra por toda parte. A liberdade de Deus é como a beleza, nunca se expõe, nunca determina, sugere. Intenções humanas, como as minhas, nem sempre batem com as de Deus. Por exemplo, lá por outubro de 1958, estava na praça de São Pedro a olhar a chaminé da Capela Sistina a anunciar o novo papa. Às tantas, saiu uma fumacinha anêmica, indecisa, nem preta, nem branca, um fiapinho branco de fósforo que se apagou. E nós a olhar para cima em expectativa. Abriu-se o balcão central da basílica, gente apareceu agitada em preparações, os sinos tocaram: habemus papam! De branco apareceu um gordo e baixo, o papa, desconhecido furando todas as pesquisas, a Megasena acumulou: João XXIII. Por nome, cara, porte e velho, não foi pequeno o susto: quem é esse cara?! – ninguém sabia. Lá longe um padre gritou: é meu bispo de Veneza, - nada ajudou. A meia hora já circulavam jornais de Roma estampando o novo papa em esdrúxula foto: carona de um gordo em montagem no corpo magro de Pio XII. Pela idade, analistas definiram: papa em transição. Dias depois, com humor ele disse: deixa comigo, até um papa de transição pode convocar um concílio. Do fundo de sua ignorância, não me consta que escrevera um livro antes de papa, com coragem convocou as mentes da Igreja, convidou leigos, protestantes e ortodoxos, enfiou-os todos em concílio, num vale-tudo de dizer a definir caminhos novos. João XXIII decretou o horário da primavera. Na Igreja acordou-se o verde, aves cantando, abelhas zumbindo a produzir mel, toda a terra entrou em cio a gerar o verão. João XXIII não teve tempo de ver o novo mundo que anunciou. Após ele, veio Paulo VI da troupe de Pio XII, acolhido sem surpresas. Bolsa de apostas de Londres não pagou nada. Esperava-se que continuaria a obra de João XXIII. Com efeito, Montini era gente fina, já temperado no por mundo melhor cujo lema era transformar o mundo de selvagem a humano e a divino (Pio XII). Não foi fácil segurar essa batata quente da Igreja pós-concílio. Coitado, virou um tímido papa-bombeiro a apagar incêndios que alastravam. Paulo VI não soube continuar a primavera estabelecida pelo antecessor. Após sua morte, cardeal Luciani que não sonhava, nem queria ser papa, foi eleito. Dizem que ficou branco, seguraram que ia desmaiar. Ao lado dele no consistório disse-lhe o cardeal Johannes Willebrands: coragem, Luciani, guenta aí! o Senhor dá o fardo, mas também a força para carregá-lo. João Paulo I não aguentou, quebrou-se, efêmero como um sorriso. Sei lá, por essas e por outras, em matéria de eventos humanos, os olhos misteriosos de Deus tudo veem, mas nada empurram. Aí veio João Paulo II o moço que veio de Cracóvia, Polônia, simpático, atleta, galã, duro forjado na opressão do comunismo. A esse mesmo tempo vivia Ratzinger na Alemanha no mesmo clima de opressão e medo do comunismo. Vivi em Fulda perto da Grenzzone , isto é, perto da fronteira dividindo as duas Alemanhas. Ao horizonte podia-se ver enfileirados mísseis face a face. A Alemanha sentava-se num barril de pólvora. Churchill, pouco fim da guerra recomendava: pior que o nazismo é o comunismo. Este é o inimigo verdadeiro que ganhou a guerra! É verdade, o terrível nazismo foi mais que briga de família. O comunismo é apátrida, um vírus a se infiltrar em nossas vidas, mal que contem no bojo uma verdade aprisionada: o homem oprimido que sonha de esperança. Emmanuel Mounier advertiu a condenar o comunismo: o risco é jogar a água suja juntamente com a criança. Acho que João Paulo II e Bento XVI brilharam, um, pela sua simpatia e crisma, o outro, pelo talento do teólogo. Ambos por medo do comunismo, jogaram na água suja a criança da Igreja banhando-se nas águas de João XXIII. Não sou hegeliano, muito menos marxista. Gosto da dialética, essência da vida humana, de resto, à imagem de Deus. À tese de João XXIII veio a antítese de João Paulo e Bento XVI, estamos a esperar uma síntese, ou melhor, um terceiro termo. Sei lá o que vai dar. Em loterias e em jogo de bicho sempre errei, só uma vez minha mãe pôs meu nome numa rifa da festa de São Sebastião, ganhei um cabrito que meu pai comeu. O novo papa? Chuto: Dom Odilo cardeal de São Paulo, ou outro quem sabe menos conhecido de João XXIII. Deus nunca chuto, de direita ou de esquerda. Não joga. Olha, enquanto céus chovem fecundando esperanças.

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