a.j.chiavegato
Levantei-me
às 7, às vezes me atraso, por exemplo, hoje 7 minutos. Banho,
café, empanturrei-me de remédios, um acabou-se. Fui à farmácia
comprar... – remédio?
– não,
Bozó, um quilo de carne.
Obrigado ao Mozar que me enviou um monte de vídeos do Chico Anízio.
Chegando à pharmacia, perdi a viagem, o sistema da Farmácia
Popular estava fora do ar.
Perguntei pra moça: quando
volta? Ela disse: eu?
- Você, não, meu bem, o sistema?
Caiu-lhe a ficha: ah,
telefona pra saber?
Pedi-lhe marcar o telefone, ao que disse: o
meu? – Não, da farmácia. Saí,
aproveite-me catar um folheto no chão jogando no lixo. Costumo
pegar papéis, copo de plástico, tudo e jogo nas lixeiras, mania
de velhos. Coco-de-cachorro não cato, que apanhe quem por ali
se aliviou.
Ao
passar por um bar, entrei para esquentar o frio, embora não me
conhecem, pedi: o de costume
– olhou o rapaz esperando. Fiz um gesto dando um tantinho: café
com um pouco de leite. Dei-lhe um punhado de
moedas, umas vinte. O rapaz conferiu, sobrou uma. Pode
ficar - disse. –
Quer balas? Peguei: levo
pros netos.
Passei a uma livraria olhando a vitrine. Espanando
livros estava meu amigo, acenei bom dia!.
Acho que sempre saúdo as pessoas, tenho certeza acender uma luz, um
sorriso em suas vidas. Virei-me a cumprimentar todo mundo, como
Guimarães Rosa diria, falo bom dia
até a cavalo, coisas de velho.
Voltando-me
em função de gari, sabem, já vi velhos japoneses, voluntários
catando nas ruas, tudo, até chicletes. Invejo este país. A mais de
cinquenta anos, vivi em Alemanha, ninguém jogava palito de fósforo,
nada, só as folhas das árvores com seu direito de cair nas ruas,
em outonos, antes que chega a neve, linda quando cai, o silêncio
branco cobrindo as coisas e a vida. Uma manhã, no centro de Fulda,
após tomar um café no Kaffee Tille
com uma senhora, ao sairmos ela amassou a notinha, não jogou,
caiu-lhe da mão, antes de pegar, um guarda rápido apanhou:
senhora, por favor, aqui, indicando
a lixeira. Na família desta senhora em que morei, mãe de seis
filhos, frequentemente saíamos em picnic por campos e matas.
Comíamos sanduiches e frutas, papeis e cascas voltavam pra casa
religiosamente. Exagero de limpeza? Acho que não. A natureza é uma
extensão de nossa casa. Mais, um alargamento de nosso corpo, da
terra viemos e para ela voltaremos a virar raízes de vida, espero.
Respeitar a natureza, tudo, os animais, mesmo os ratos que detesto.
Fernando Pessoa me adverte: tudo o que
acontece, tem uma razão de ser. Também as
plantas, acham que é pouco viver? Gisbert Cesbron (Ce
que je crois, Ed. Seuil 1970 Paris) Sempre
que passava pelo carro via uns arbustos ridiculamente podados:
comovia-me às lágrimas. A
esse ponto não chegarei, pegaria o dono, esculhambaria seus
cabelos, se fosse careca, picharia de verde-amarelo-azul que rissem
plantas, animais, até mesmo as pedras. Creio que a natureza não é
uma coisa estranha que está aí, não é a outra,
como Deus, que nela vivemos, nos movemos e
vivemos. Nessa linha, creio que devemos
reler Teillard de Chardin, Hymne de l´Univers
(Ed. Seuil, 1961)
e especialmente La
messe sur le monde (1923).
Faz tempo que li, tenho que tirar poeira,
com cuidado.
Depois,
fui ao banco, solicitando o cartão do banco, perdi, sei lá onde.
Um rapaz me atendeu. Falei o número da conta, perguntando: percebeu
que é um número, baixinho, quatro dígitos? É antigo, esta
agência era pequena, todo mundo se conhecia, quando entrava, logo
dizia: como vai Waldir? Perguntei ao
funcionário: você conhece o Waldir?
Antes que dissesse não, sacudindo a cabeça, cai-me no real:
claro, você nem tinha nascido, mais de
quarenta anos, acho que o Waldir morreu, que Deus o tenha. Coisas
de velho...
Mal
que termino, como vai minha saúde? Dá pro gasto, uma dor aqui, uma
fisgada de lado, pernas cansadas, uma tontura... Minha mulher diz:
Fofo, você tem que falar pro médico.
Rebato: não carece,
já sei o que ele vai falar. Pergunta:
quantos anos tem? Digo
tanto. Come bem, dorme bem, tá andando bem,
etc.? Eu: tudo bem, o
etc. mais ou menos. O médico: tá
tomando aquela pilulinha azul? – Tô. Levantando-se:
você vai longe –
batendo em meus ombros, não se esquenta não,
essa história de uma dor, aqui e ali, coisas de velho. Não
é que ele tem razão?! A propósito, ocorre-me o que contava meu
primo Luizinho, não sei se fato, se piada, esse primo era gozado,
ria-se pra burro, ria muito mais que ele, recontava e ria, minha
tia balançando a cabeça: esse aí é meio
“baúco”, louco, em vêneto: solta
o rojão e vai buscar a vareta... Estava-se
na fazenda, à noite, todos reunidos à salona, televisão nem tinha,
rádio só se ligava quando tinha jogo, lia-se. Meu tio assinava uns
três jornais, estava lendo A Gazeta,
um Seleções Orlando,
outro primo, lia O Município
de Amparo. Interessou-lhe
um anúncio, à venda um fordinho 28,
em excelente preço. Disse a todos: vamos
vê-lo amanhã, vou comprar, vendo minha égua e volto de carro.
De manhã, foram, ele, Luizinho e Cyro. Bateram: pá...
pá... pá... – não tinha campainha. Veio
o dono, sem camisa, de chinelo: querem ver o
fordinho? Por aqui, tá lá, -
viram-no ao fundo do quintal, meio
arruinadinho, lógico, por aquele preço... O fordinho estava meio
torto, uma roda em cima de um monte de entulhos. Orlando achegou-se,
abriu capô, virando ao dono confuso: e o
motor?! O homem balançando a cabeça: por
esse preço acha que tinha motor?!
Encerro
com o médico: meu caro, com 76 anos, um
enfarto no lombo, um AVZ, que você quisesse?!...
Coisas de
velho, é verdade. Ao primeiro do instante, ao primeiro berro
olhando a luz, começa-se a aprender ser velho: nascer é um passo à
velhice. Custei a saber que estava velho, de repente, fichas caíram,
uma a uma. Hoje gosto de ser velho, mas é meio chato. Apesar de
ser ranzinza, birrento, teimoso, apesar das amarguras da velhice,
vive-se uma experiência única de se aproximar a Deus, cada vez
mais. É bom derreter-se como um doce e se desfaz em ternura. Isso e
tudo, coisas de velho.
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