domingo, 10 de fevereiro de 2013

Viagem aos seios de duília






Viagem aos seios de duília”
a.j.chiavegato

não me lembro se era bom o filme, creio que sim, pois me levou ao conto de Aníbal Machado, entre os cem melhores do século XX. Quem não retoma uma viagem de volta em tempos que passaram a rever um Pouso triste onde se nasceu, viveu e amou? O primeiro amor acontece em coração de orvalhos, espantadas crianças, deslumbrantes, sem fazer o que aquilo do céu lhes caiu. Em geral não se casa com o primeiro amor, mas se esquece nunca, sonho que não vingou por falta de chão, planta que se secou mas deixando gosto de orvalho e cheiro de relva cortada. Passa tempo, passam amores, fica lá aquele rosto que nos prometia pequena e incomensurável felicidade. Escrevo do que vivi amor de crianças sem palavras, coração em olhos, pouco, mais nada e tudo. Um dia pedi à empregada de minha tia mandar lembranças à garota, lá pelos nove anos, aos usos daquele tempo para ficar. Respondeu-me: se eu quero bucho, vou comprar no açougue. Ah meu Deus, primeiro amor tão cedo desiludido! Tempo passa, vida de sonhos junta os cacos e faz parábola que ensina, meu-primeiro amor-de-minha vida falando em profecias: toda beleza um dia vira bucho. Hoje, à feira, estava a comprar pastel para minha neta. Uma mulher olhou-me, não a reconheci. Conheço você – dizendo meu nome. Reconheci minha antiga aluna que não mais vira há quarenta nos. Alta, olhos entre verdes e azuis conforme encobre-se o sol, o resto, o corpo, linda. Era. Ah, meu Deus, o tempo ou meus olhos que deformem, como espelhos mágicos?! Apresso-me a dizer que não era a Duília do conto e de minha infância, mas vivi o mesmo desencanto. Sempre que encontro a beleza de uma mulher plissada em rugas, para além do verniz esmaecido é hora de se encontrar a mulher que não passa, a mesma, a que se foi. Para além dos olhos que se apagam, bate um coração terno, sempre novo. Leiam aquele conto, vale a pena. Amores e vida que se foram, olhos e seios, apagados e murchos, já batem começos de inverno que já é hora de se colher tudo, como as uvas, sempre as mais doces.

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