“Viagem
aos seios de duília”
a.j.chiavegato
não
me lembro se era bom o filme, creio que sim, pois me levou ao
conto de Aníbal Machado, entre os cem melhores do século XX. Quem
não retoma uma viagem de volta em tempos que passaram a rever um
Pouso triste onde se
nasceu, viveu e amou?
O primeiro amor acontece em coração de orvalhos, espantadas
crianças, deslumbrantes, sem fazer o que aquilo do céu lhes caiu.
Em geral não se casa com o primeiro amor, mas se esquece nunca,
sonho que não vingou por falta de chão, planta que se secou mas
deixando gosto de orvalho e cheiro de relva cortada. Passa
tempo, passam amores, fica lá aquele rosto que nos prometia pequena
e incomensurável felicidade. Escrevo do que vivi amor de crianças
sem palavras, coração em olhos, pouco, mais nada e tudo. Um dia
pedi à empregada de minha tia mandar
lembranças à garota, lá pelos nove anos,
aos usos daquele tempo para ficar.
Respondeu-me: se eu quero bucho, vou comprar
no açougue. Ah meu Deus,
primeiro amor tão cedo desiludido! Tempo passa, vida de sonhos
junta os cacos e faz parábola que ensina, meu-primeiro
amor-de-minha vida falando em profecias: toda
beleza um dia vira bucho. Hoje, à feira,
estava a comprar pastel para minha neta. Uma mulher olhou-me, não a
reconheci. Conheço você – dizendo
meu nome. Reconheci minha antiga aluna que não mais vira há
quarenta nos. Alta, olhos entre verdes e azuis conforme encobre-se o
sol, o resto, o corpo, linda. Era. Ah, meu Deus, o tempo ou meus
olhos que deformem, como espelhos mágicos?! Apresso-me a dizer que
não era a Duília do
conto e de minha infância, mas vivi o mesmo desencanto. Sempre que
encontro a beleza de uma mulher plissada em rugas, para além do
verniz esmaecido é hora de se encontrar a mulher que não passa, a
mesma, a que se foi. Para além dos olhos que se apagam, bate um
coração terno, sempre novo. Leiam aquele conto, vale a pena.
Amores e vida que se foram, olhos e seios, apagados e murchos, já
batem começos de inverno que já é hora de se colher tudo, como as
uvas, sempre as mais doces.
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